Embora eu seja formado em comunicação social sempre fui naturalmente desconfiado sobre certo tipo de profissional que trabalha nessa área. Trata-se de um mercado repleto de aspones, deformadores de opinião e gente que se acha a quintessência do universo simplesmente porque comanda um programa de auditório ou de rádio, chefia uma redação de jornal ou mesmo a bancada de um telejornal.
Em outras palavras: alguns profissionais se consideram indispensáveis dentro desse universo, chegando a se autointitular "a única versão relevante dos fatos".
Entretanto, há um lado meu também eternamente curioso sobre essas pessoas e como elas fazem o mundo girar ao seu redor até que uma catástrofe ocorra ou a lucidez prevaleça sobre seus argumentos. E a sétima arte está repleta de grandes exemplares dessa categoria (desde já indico aqui dois dos meus favoritos: Um sonho sem limites, de Gus Van Sant e O abutre, de Dan Gilroy).
Oliver Stone, um de meus cineastas-fetiche, sempre dedicou parte do seu tempo e sua obra cinematográfica a esmiuçar a podridão e a contraditoriedade que há por trás desse mundo midiático sórdido. E nos entregou longas que entraram para a história - seja pelo mérito pessoal deles, seja pela controvérsia embutida na história. E um deles eu vinha perseguindo durante anos em lojas de dvds usados, sites de streaming e cópias piratas, sem sucesso. Até anteontem.
Refiro-me à Talk Radio: verdades que matam, de 1988. E desde já adianto: valeu a pena esperar tanto tempo. É não somente ácido do início ao fim como diz muito sobre o que a sociedade americana acabou se tornando com o passar dos anos.
O filme nos apresenta o âncora do programa de rádio Night talk - em tradução rasteira: conversa noturna -, Barry Champlain (Eric Bogosian, fantástico!). Apesar do sucesso de sua faixa de programação ele é uma figura vista como execrável por grande parte da sociedade norte-americana e sua vida pessoal é uma verdadeira bagunça. Divorciado e tendo um caso com a produtora do show, chegou naquele ponto da própria existência em que o único motivo que o faz sair da cama todo dia são as noites de segunda, na qual apresenta seu polêmico programa.
Um novo patrocinador surge na rádio oferecendo-lhe a possibilidade de uma transmissão mais ampla e isso não o satisfaz totalmente, pois Barry exige manter o seu controle criativo. E qualquer interferência de fora, para ele, é uma ofensa. O que vale mesmo, o que tem importância na hora H, é como ele comanda o show. E é nesse quesito que se encontra o grande mérito do longa.
Digo isso porque a maneira como Barry conduz seu espetáculo é o retrato vivo e amargo dessa América que não se cansa de vender-se como "a maior nação de todos os tempos", mas na prática não passa de um país cheio de subterfúgios e contradições. E olha que, como disse num parágrafo acima, a película já tem mais de três décadas!
Barry xinga, insulta, esnoba ouvintes, só ouve e dá papo àquilo que o interessa, recebe um pacote-surpresa de um interlocutor revoltado, dá corda a tipos exóticos e nonsenses, pede pausas fora de hora, ausenta-se (irritando até mesmo o seu empregador), e ainda dá atenção à ex-esposa, que ele convida para dar uma força a ele nesse momento de reviravolta na carreira.
Porém, é preciso enxergar as entrelinhas de toda essa discórdia. Oliver Stone está, na verdade, jogando o seu holofote sobre a vida e como nós, seres humanos, decidimos transformá-la num "entretenimento sórdido" (expressão, por sinal, da qual ele se utiliza quando chega ao apogeu da sua impaciência, num monólogo que por si só já vale pelo filme todo).
Ao final da sessão e completamente sem fala diante do desfecho aterrador, o que percebo é que Talk Radio meio que profetizou a sociedade contemporânea (que o diga os EUA). Viramos reféns da indústria falaciosa criada pela mídia e as corporações que vendem entretenimento óbvio e evasivo. E pior: nos orgulhamos de nossa acomodação, porque lutar contra é tão duro, cansativo e pouco recompensador que não vale o esforço. Pelo menos, não para a grande maioria que se diz "antenada com essa tal de globalização".
E o mais triste disso tudo é pensar que até mesmo hollywood já foi mais interessante e denunciatória quando o assunto era roteiro, boa história, etc. Agora precisamos nos contentar com literatura fantástica e homens e mulheres com superpoderes.
É... O mundo - e a indústria cinematográfica - não são mais os mesmos! E palavras, agora mais do que nunca, podem causar danos permanentes e irreversíveis.
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