"Se você acha que está difícil agora, imagina naquela época!".
A frase, que ouvi de longe proferida por um senhor de mais 80 anos num barzinho aqui perto de casa, era uma resposta dada a um grupo de adolescentes alienados que defendiam a relevância de regimes totalitários e repressores. E os jovens, sem resposta, calaram-se (um silêncio, diria, perturbador).
No mesmo dia que ouço essa frase, muito bem colocada por sinal, o Canal Brasil reexibe na madrugada o sempre interessante Eu te amo, de Arnaldo Jabor (lançado em 1981). E o sentimento que percebo ao fim da exibição é o mesmo: o de estarmos vivendo numa letargia, sem vistas a algo melhor no futuro.
Conheço muito moralista de plantão - de hoje e daquela época - que rotula este filme de "uma reles pornochanchada". Só posso lhes dizer: "assiste de novo, então! vocês não entenderam nada!"
Eu te amo conta a história de Paulo (Paulo César Pereiro, ator praticamente onipresente daquele período do cinema nacional), um empresário falido que apostou todas as suas fichas num empreendimento que não deu em nada e ainda por cima foi largado pela mulher, a médica Bárbara (Vera Fischer) e a sensual Maria (Sônia Braga) que não consegue fazer o grande amor de sua vida, o piloto Ulisses (Tarcísio Meira), abandonar a esposa. Exauridos pelas respectivas derrotas se encontram na cidade e trocam telefones. Paulo decide ligar para Maria - que se esconde sob a alcunha de Mônica, e diz ser garota de programa - e pede que ela venha até seu apartamento, o único patrimônio que lhe restou.
Paulo é praticamente um agorafóbico, quase não sai de casa e não se cansa de assistir os vídeos que gravou de sua ex-mulher. É um homem frustrado, arruinado pela vida e pelo que o Brasil se tornou durante o período militar. Já Maria/Mônica é uma submissa de carteirinha, não tem voz ativa para lutar pelo que quer e nunca conseguiu viver de outra maneira que não fosse à sombra do amante.
Quando suas vidas se esbarram eles meio que pressentem que precisam ser um a muleta do outro. Vivem numa espécie de post mortem (e por mais estranho que pareça aos leitores a minha escolha por esse termo, é dessa forma que vejo as suas existências: são pessoas destruídas, devastadas por uma era de violência e repressão que deixou sequelas nunca apagadas - até hoje, pleno século XXI). Empurram a vida com a barriga e fingem esperar por dias melhores, mas na prática o que se percebe é um inconformismo latente, um sentimento de que a verdade não existe mais, uma vontade de desistir de tudo, mas cadê coragem?
E como consequência dessa inércia ludibriam a vida (ou a rotina, como preferirem) do jeito que podem: tentam entender as razões do outro, transam sempre que podem, brincam, debocham do país, do sistema, de suas próprias vidas ilógicas. E quando raramente falam sério, vê-se claramente o ódio e o ressentimento acumulado por anos. Um retrato ácido sobre a contraditoriedade que reina nesse país desde que eu me entendo por gente.
Quando o desfecho bem humorado, à la musical da Broadway, dá as caras o que percebo é estar diante de uma grande alegoria sobre o desânimo que se abateu por toda uma geração que apostou suas fichas numa revolução que não veio, não passou de autoritarismo e da eterna mania que os seres humanos têm de acreditar nas piores coisas, desde que elas sejam baseadas "na moral e nos bons costumes".
E nesse sentido é impressionante ver que mesmo após quase quatro décadas o longa não só não envelheceu um segundo sequer, como permanece extremamente relevante para entendermos no que o país acabou se transformando com o passar do tempo: uma nação algemada à falsos ideais e correções políticas.
Grande Jabor. Por onde andas, meu caro, que não tenho te visto? O cinema brasileiro anda carente de boas ideias e desabafos. Como os seus.
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