terça-feira, 16 de junho de 2020

O templo do futebol


Eu conheço gente que nunca entrou nele (sim, esse tipo de gente existe no Brasil!). Também conheço quem chorou das lágrimas descerem pelo rosto quando decidiram que a geral - palco mor dos verdadeiros torcedores: os descamisados - não ia mais existir. Era meu vizinho o dito cujo e ficou entristecido por semanas. E conheço também gente que não consegue imaginar a própria vida sem frequentar o estádio de tempos em tempos. Fez dele uma necessidade básica, como comer ou beber água. 

Refiro-me ao Maracanã, templo máximo do nosso futebol, que ficou setentão sem perder a elegância, o charme, o garbo e a atitude. Embora algumas pessoas que o frequentaram nos áureos tempos reclamem de que a redução de assentos com o passar dos anos foi uma "injustiça com os verdadeiros admiradores do lugar". E eu concordo. Não gosto de ver o estádio associado apenas às elites. Ele se torna menor quando fazem isso com ele. 

O Maracanã foi construído com a intenção de sediar a copa do mundo de 1950, E quando nos deparamos com essa notícia, mesmo aqueles que não viram a copa, que não eram nascidos naquela época, já sabem do que falo (e não é uma lembrança feliz). O maracanazo imposto pelo Uruguai e o seu 2x1 na final - aquele que demonizou para o resto da vida o goleiro Barbosa - até hoje nos atormenta. Há inclusive um curta-metragem com o ator Antônio Fagundes com o nome do goleiro que mostra um torcedor tão impactado com a derrota que decide construir uma máquina do tempo só para voltar ao dia do infortúnio e impedir a vitória da celeste azul. Procurem no porta curtas.  

Entretanto o estádio não foi, logicamente, palco apenas de derrotas e lamúrias. Não, meus caros leitores! Há muito de bom a se lembrar neste lugar abençoado. 

Por aqui passaram o Papa João Paulo II, o astro beatle Paul McCartney, o eterno "the voice" Frank Sinatra, a segunda edição do Rock in Rio em 1991 - por causa de uma rixa entre o então governador Leonel Brizola e o criador do evento, o empresário Roberto Medina, que levou à destruição da cidade do rock original de 1985 -, entre tantas outras estrelas. A criançada volta e meia dava as caras aqui por causa da visita do Papai Noel (que, aliás, era televisionada e tinha patrocínio do supermercados Sendas). 

E eu me lembro também de certa ocasião em que fui com meu pai nos arredores do bairro (se não me engano ele foi buscar uma cesta de natal da empresa onde trabalhava), a duas quadras do Maraca, e vi um grupo enorme de engravatados passando correndo com sacas imensas de dinheiro às costas. Não entendemos nada do que estava acontecendo, até chegarmos em casa e nos depararmos com a notícia do culto realizado ali no estádio pelo Pastor Edir Macedo. Em outras palavras: nascia ali o império da Igreja Universal do Reino de Deus e todas as contradições que ele viria a trazer nos anos posteriores. 

O alambrado caiu em 1992, ano do pentacampeonato do rubro-negro contra o Botafogo. Meu pai e alguns amigos estavam lá e minha mãe ficou superpreocupada. Eram tempos de Júnior de cabeça branca, o "vovô garoto" exibindo toda sua maestria. E também representou o fim de uma era para o clube. E como esquecer do gol de barriga de Renato Gaúcho no Fla-Flu que os flamenguistas não gostam de lembrar? Mas cá entre nós: metade do gol pertence ao lançamento do Aílton. Em 1994 Romário nos colocou na Copa - da qual saímos tetra - e esculhambou o Uruguai e o goleiro Siboldi (até hoje eu me lembro do nome dele. Coitado! Acho que ele nunca mais vai esquecer desse dia). 

São tantas histórias e lógico que eu poderia fazer deste humilde artigo um livro, se eu quisesse. Mas eles já existem (isso mesmo: no plural). E deixo aqui duas dicas para fanáticos, pelo estádio e também por futebol: Maracanã - meio século de paixão, de João Máximo e Maracanã 70, de Eduardo Bueno e outras feras. E mais: duvido que os mais apaixonados pelo tema não se emocionem página a página! 

Para a nossa felicidade recente - falo mais especificamente da minha geração - o 7x1 da Alemanha não foi aqui (seria um segundo golpe devastador para o estádio). Menos mal. Contudo, é bom saber que o lugar resistiu bem às suas dores, soube conviver com elas. Mais que isso: soube se vender por suas glórias eternas. De triste mesmo só o fato de estar comemorando uma data tão importante em meio à pandemia de Covid-19. Ele realmente não merecia isso!

E que venham os 80, os 90, o centenário e muito mais. Pois os torcedores brasileiros merecem. Valeu, Maraca!

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