quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O rei do futebol


É incrivelmente difícil falar de uma lenda. Primeiramente, porque elas mesmas não estão isentas de falhar, cometer deslizes, fazer más escolhas, serem humanos imperfeitos. E depois porque, por mais que falemos delas, sempre fica aquela sensação cretina de que esquecemos de mencionar alguma coisa, tamanha a grandiosidade dele ou dela. 

Hoje perdemos nossa maior lenda do esporte, que vinha lutando nos últimos anos contra seu adversário mais duro. Nenhum outro oponente, nos campos por onde passou mundo afora, o tirou de uma competição de maneira tão dolorosa. Uma pena! Mas chegou o dia em que Pelé, o eterno rei do futebol, nos deixou aos 82 anos. E por mais que tenha sido uma vida ilustre, ainda queríamos mais, quiçá a imortalidade (tendo em vista o que ele produziu dentro e fora dos estádios).

O menino Dico, filho de Dondinho - que também jogou futebol -, que brincava em Bauru nos campinhos de barro e prometeu ao pai ganhar uma Copa para ele quando o viu chorando após a derrota do Brasil na final do mundial de 1950 para o Uruguai, tem uma história de vida tão gigantesca que nunca caberá neste mísero artigo. E ainda assim vou tentar com todas as minhas forças. 

Chega ao Santos e logo percebem que ele tinha algo incomum, que nunca seria igual aos demais (e realmente não era). Com seu jeito quieto, mas liso com a bola nos pés, faz a história numa época em que o futebol não era anos-luz o marketing e a publicidade dos dias de hoje. Honestamente... Graças a Deus! Eram tempos de craques, de bola rodando e nada de cabelos descoloridos e chuteiras douradas.

Ganhou mais de trinta títulos, alguns deles imprescindíveis como o tricampeonato mundial com a seleção (1958-1962-1970) e o bi pelo mundial de Clubes com o Santos (1962-1963) contra Benfica e Milan, respectivamente. E quando muitos na imprensa pensavam "agora ele para", surpreendeu a todos encerrando sua carreira no Cosmos, clube de Nova York, numa tentativa de levar o futebol profissional aos EUA. 

Dentro das quatro linhas é fácil exaltar Pelé. Mesmo eu, que não o vi jogar, apenas acompanhei suas imagens pelo Canal 100 e outros arquivos esportivos, fico deslumbrado com seu talento e capacidade física. Não à toa foi chamado de "O atleta do século" pela mídia da época. 

Contudo, é preciso também destacar um marca que notabilizou o craque: os gols que ele não fez e ainda assim foram comemorados com o mesmo impacto. Num deles, Gordon Banks (goleiro da Inglaterra) impediu com aquela que é considerada, por muitos, a maior defesa de todas as Copas. No outro, o goleiro uruguaio Ladislao Mazurkiewicz leva um extraordinário drible da vaca que para tristeza, mas também delírio de quem estava no estádio, passa rente a trave. Meu pai, antes de falecer, jurou a vida toda que a bola tocava no calcanhar do zagueiro. Vejam o lance no youtube e tirem suas próprias conclusões! 

Outro acontecimento lendário foi o milésimo gol, contra o Vasco. Revejam-no também e reparem na raiva do goleiro Andrada, que quase toca na bola. Ele ficou marcado até o fim da vida pelo feito. 

Fora dos campos e competições, Pelé virou ícone pop e sinônimo de Brasil no mundo. Tornou-se serigrafia do artista plástico Andy Warhol (que disse que, no caso do jogador, a fama duraria 15 séculos e não 15 minutos), frequentou a notória danceteria Studio 54, participou de inúmeros longas cinematográficos (de filme dos Trapalhões até o mais cult Fuga para a vitória, de John Huston, ao lado dos astros Sylvester Stallone e Michael Caine), virou personagem de história em quadrinhos de Maurício de Sousa, foi até Ministro dos esportes do governo FHC. 

E mesmo com tudo isso e todas as outras milhões de histórias que vocês terão que descobrir sozinhos senão este texto ficará imenso, continuou sendo a cara de um esporte que em mais de cinco décadas só fez se sofisticar, engrandecer e aumentar ainda mais sua legião de fãs.

O que importa de fato para este que vos escreve é deixar claro que hoje, 29 de dezembro de 2022, o Brasil e o mundo não perderam somente Edson Arantes do Nascimento e sim o maior atleta, a maior figura esportiva da história da humanidade do último século. E o futebol, seu ofício por natureza, nunca mais será o mesmo depois de hoje. Podem até surgir outras feras nos gramados, mas o que esse homem fez - de forma absurda, quase irreal para muitos - não se repetirá. Não mesmo. 

Dito isto, só me resta desejar toda a paz e felicidade do mundo para ele, e que agora encontre outros campos lá em cima para mostrar sua genialidade. Aposto que não vai faltar torcida. Fica com Deus, camisa 10!      

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