Existem artistas que entretém, outros que não passam de caça-níqueis ávidos por mais grana e status e os que entram para a história com todo o mérito de seus respectivos trabalhos (esses são os meus preferidos). Contudo, há uma quarta categoria dentro dessa classe que também chama - e muito! - a minha atenção. Refiro-me aos provocadores, aqueles que não se contentam unicamente com o seu ofício (seja escrever, atuar, cantar, etc) e vão além, enfrentam o mundo e suas constantes tomadas de decisão infelizes.
Roger Waters, membro da antiga banda Pink Floyd, é desses. Morrisey, ex-vocalista do The Smiths, também. Entretanto, ninguém enfrentou seu país natal e o mundo de uma forma geral com tanta empáfia e cabeça erguida nos últimos anos quanto as moças da banda russa feminista Pussy Riot. Elas já protestaram, 10 anos atrás, contra uma lei discriminatória russa contra os gays do seu país e quase foram excomungadas por conta disso. Já tiveram três de suas integrantes presas e submetidas a trabalhos forçados, levando a população mundial à uma comoção internacional sem precedentes. E isso só para ficar no básico e largamente difundido pela mídia.
Acham que elas desistiram? Nada. Só serviu para elas acentuarem ainda mais seus ataques anti-governamentais. Prova disso é o seu mais recente clipe, Mama, don’t watch tv.
São pouco menos de quatro minutos de pura ousadia, polêmica e dedo na cara, questionando não somente a recente guerra entre Rússia e Ucrânia (que, tudo leva a crer, não tem data para acabar) como também o presidente, que é chamado abertamente pelas moças de "terrorista". Mais: elas pedem que Putin seja processado por seus crimes de guerra.
Há um clima de repúdio e exasperação na canção que em alguns momentos me lembrou as letras, também diretas e anárquicas, do grupo de armênios do System of a down. Elas não medem as palavras e sentam a pua em governantes, militares e quem mais estiver envolvido nessa guerra doentia. De amoroso mesmo, apenas o apoio à rival Ucrânia, diariamente massacrada no conflito.
Entre cenas de apresentações da banda em shows lotados e regados à posicionamentos políticos radicais e imagens de um país destruído pela guerra insana, com direito à soldados covardes quebrando câmeras para ocultar provas e funerais improvisados em meio a destroços, as moças desfiam o rol de horrores e lamentações que já se tornou marca registrada do grupo. Só que dessa vez com um acidez acentuada.
O refrão da música (“Mãe, não há nazistas aqui. Não assista TV”) faz alusão a um depoimento de um soldado russo capturado que, em uma conversa telefônica com a mãe, disse isso num ato de desespero. Mas a narrativa caótica proposta por elas não se limita a essa frase. As meninas desconstroem todo o conceito de guerra como o conhecemos e, em alguns momentos, chegam a ironizar certas práticas oficiais e as intenções escusas por trás delas.
E como se não bastasse todo o horror e o sarcasmo embutido naquelas palavras, ao fim do vídeo - que não demora muito, creio, será provavelmente retirado do you tube - uma das integrantes, encapuzada, mija num quadro de Putin em pleno show, para uma plateia de fãs ensandecidos. Sim, a narrativa chega a tal extremo. Mas como disse em parágrafo anterior: elas são provocadoras (por natureza) e isso precisa fazer parte do contexto também.
Como resultado final (seja musical ou ideológico) Mama, don’t watch tv é o clipe-manifesto de 2022. E que curioso que tenha vindo à toa quase no final do ano! Certamente é intencional da parte delas, que querem que fiquemos com essa última lembrança de um ano marcado por decisões macabras, mas buscando uma virada de página urgente. E que venham elas logo, por favor.
Afinal de contas, o mundo não aguenta mais figuras como Putin e outros extremistas no poder que veem a sociedade e o mundo apenas pela ótica da guerra e do terror. É preciso dar um basta nisso e a banda entende que só endurecendo o discurso teremos uma chance. Resta saber o que 2023 nos trará de novo.
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