Não faço a menor ideia do que significa para um pai ou uma mãe perder um filho. Não mesmo. E é possível que eu nunca venha a entender de fato tal acontecimento, tendo em vista que não sou pai. No máximo, posso imaginar o tamanho dessa dor e mesmo isso é ainda muito pouco em se tratando da palavra compreensão. Logo, um casal como Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf), protagonistas do filme que pretendo resenhar aqui, estão num plano muito mais complexo do que minhas vãs palavras serão capazes de entender.
Em Pieces of a woman, do diretor húngaro Kornél Mundruczó, responsável pelo extraordinário Deus branco, vemos uma casal que fez a escolha de realizar o parto do seu bebê em casa, de forma humanizada, com uma parteira. Porém, ao contrário do que eles imaginavam, o processo termina de forma amarga e a criança morre. E a morte do bebê leva o relacionamento do casal a um outro patamar.
Sean até tenta seguir com sua vida, mas não consegue entender muito menos dialogar mais com sua esposa. Ela simplesmente se fechou em seu próprio mundo e não permite que os familiares façam parte dele. Daí para mentiras e traições é um passo mais do que natural. E do outro lado dessa modorra existencial, encontra-se Elizabeth (Ellen Burstyn), mãe de Martha, a maior interessada num processo criminal contra a parteira, que ela considera a maior culpada de todo esse caos pelo qual a família se encontra nesse momento.
Contudo, é preciso levar em consideração que Elizabeth é uma mulher que acredita unicamente no poder do dinheiro, das aparências, do sistema que sempre facilita tudo para os privilegiados e não consegue lidar com o fato de que, no futuro, seu "círculo de amizades" se lembrará dela como a mãe da mulher que perdeu um filho. Para ela, a tragédia maior é o que os vizinhos e amigos irão pensar dela. Eles, na visão de mundo dela, a verão como uma pessoa menor.
E a consequência mais do que natural desse turbilhão de desespero pelo qual a família passa é a sensação de que, na verdade, nenhum deles se conhecem realmente. Estão tão preocupados com status social ou "o que os outros irão pensar ou dizer quando souberem que..." que acabam por não viverem suas próprias vidas. Em outras palavras: são pessoas sem alma própria.
O trabalho de Vanessa Kirby na cena do parto é interessantíssimo e pode até, quem sabe, aparecer entre as atuações indicadas ao Oscar desse ano. Confesso que fiquei surpreso ao vê-la tão bem. Talvez pelo fato de estar acostumado a assisti-la em filmes blockbusters do gênero ação. Não conhecia essa faceta dramática dela! Já o jovem e sempre rebelde LaBeouf está apenas ok e eu gostaria muito de ver o personagem interpretado por um ator de mais pujança. Talvez sua participação no longa rendesse mais.
Percebi em certo momento uma subtrama brevemente mencionada sobre uma suposta rivalidade entre parteiras e a comunidade médica que, se bem trabalhada, renderia por si própria um grande filme. Uma pena que o diretor decidiu tomar um outro caminho. Aliás, a parte tribunal da história me soou um tanto quanto vazia e desnecessária, talvez pelo fato da direção não estar interessada em realizar um filme-denúncia contra a profissão das parteiras. E olha que eu cheguei a pensar que o longa enveredaria por esse caminho!
Feitas suas escolhas (nem todas elas surtiram o efeito desejado, pelo menos em mim) acabo me deparando ao final com um grande ensaio sobre a dor e o sofrimento por conta da perda de um ente querido. Porém, acredito que eles poderiam - se quisessem - contar sua história num tom menos melodramático. Acabaram por recorrer ao velho artifício de fazer o público ir às lágrimas e terminaram num meio termo incômodo.
De certeza mesmo, enquanto os créditos começam a ser exibidos na tela, somente uma: o tempo, por mais que o deixemos passar, não cura todas as feridas. E, honestamente, cheguei a um ponto da minha vida em que não acredito que ele, o tempo, sirva para isso.
O que precisamos, no final das contas, entender é que a vida nos impõe desafios e nos faz passar por tragédias para que possamos refletir sobre o quanto ela, vida, não passa de um grande "e se". Não controlamos de fato nossos caminhos, embora tentemos recorrentemente. E só nos sobra como legado desses desafios e tragédias levantar a cabeça e recomeçar do zero.
E o resto é apenas algum escritor de auto-ajuda milionário tentando vender fórmulas de sucesso efêmeras e inúteis (pelo menos, na maior parte de nossas vidas).
Bom conhecer este espaço
ResponderEliminarcEci Lohmann