domingo, 24 de janeiro de 2021

Nêmesis subterrâneo


O gênero terror no cinema se sofisticou nos últimos anos e, para mim, meio que perdeu o seu encanto, aquilo que fazia dele um diferencial. Por mais que víssemos efeitos de quinta geração e cenas toscas, no fundo era justamente isso que nos agradava. E com a chegada do CGI, do 3D, do 4K ou qualquer outro modelo de sofisticação cinematográfica aquilo que o terror tinha de inovador deu lugar a um exagero no que se refere à perfeccionismo criativo. 

Em outras palavras: hoje em dia se exige muito mais da pós-produção e da definição da imagem do que do roteiro (que, muitas vezes, é feito por escritores que não entendem de fato a essência do gênero). Vejam, por exemplo, O lobisomem, com Benicio del Toro. Traz o personagem clássico tratado de forma impecável do ponto de vista visual à serviço de uma história meia-boca e forçada. Logo, torna-se impossível não idolatrar o terror feito no passado. 

A quadrilha dos sádicos; Pague para entrar, reze para sair; Evil dead - a morte do demônio; O exorcista; A profecia; O bebê de Rosemary, entre tantos outros exemplares únicos, souberam aliar o trash, o escatológico, soluções baratas, efeitos práticos e o muitas vezes chamado de improviso, a um roteiro que sabia tocar no âmago de seus mais ardorosos fãs. E o resultado dessa equação eram sustos, gritos e muita diversão.  

E uma das primeiras lembranças que eu tenho disso em minha cabeça é o clássico Alligator, de Lewis Teague, que os cinéfilos raiz certamente se lembram das inúmeras repetições na programação de filmes do SBT num passado nem tão distante assim. 

A jovem Marisa compra um pequeno crocodilo numa dessas exibições públicas em que homens enfrentam feras e o leva para casa. O pai, indignado porque o animal infestou a casa de fezes, o joga na privada, dá descarga e ele vai parar nos esgotos. 12 anos depois, já imenso, torna-se uma fera indestrutível que está tirando as vidas de milhares de pessoas. Mas o que assombra mesmo àqueles que devem investigar o caso é o tamanho da criatura. 

O crocodilo sofreu uma variação hormonal porque comia cães mortos que serviam de cobaia para uma instalação suspeita que pretendia criar uma espécie de hormônio sintético revolucionário. Sinistro, eu sei... Mas também bem a cara do cinema daquela época. 

Chamado para liderar as investigações, o detetive David Madison (Robert Foster) corre pela cidade atrás do nêmesis subterrâneo que continua aumentando seu número de vítimas. A única capaz de realmente o ajudar é a mesma Marisa (Robin Riker), agora doutora especialista em anfíbios e répteis. Mas acreditem: não será um trabalho nada fácil e nem sempre a polícia o apoiará em suas decisões.

As cenas em que a criatura invade a cidade, destrói o asfalto das ruas, adentra uma festa chique, mata um garoto que é jogado dentro da piscina e estraçalha um caçador contratado pelo prefeito para abatê-lo, já entraram para a história da sétima arte e desse filme B (sim, nunca esse longa se pretendeu algo mais do que isso e é exatamente essa característica um dos maiores charmes da produção até hoje). 

Para os fãs da boa e velha matança Alligator é o protagonista ideal e o diretor não faz média ou cria estilo. Ele mostra suas intenções de forma nua e crua. E confesso: em alguns momentos parece até que ele tomou suas decisões criativas mais brilhantes na última hora. E isso é simplesmente sensacional! 

Para as novas gerações, acostumadas à Annabelle, Invocação do mal e a série Supernatural (fenômeno televisivo) recomendo que procurem o filme, deem a ele uma chance, mas vejam com olhos sábios, entendendo que se trata de um cinema anterior a tudo o que você conhece sobre cinema, portanto visionário nesse sentido. 

11 anos depois do lançamento da versão original o diretor Jon Hess dirigiu Alligator 2: a mutação, que não faz jus ao legado do crocodilo assassino. Ou seja: mais um pisada de bola do mercado hollywoodiano (e olha que eu tenho uma enorme dificuldade de chamar esse longa de uma continuação direta do primeiro!).

Faltou dizer alguma coisa? Sim. Que os produtores de cinema daquele período sabiam ganhar o seu público sem tanto esforço ou tecnologia de ponta. E isso, naquela época, era chamado de talento. 


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