quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

As vanguardistas


O feminismo e o empoderamento são duas pautas do momento nesse século XXI cheio de controvérsias e mentiras sendo vendidas como fake news. Entretanto, muitas vezes eu tenho a impressão que a causa feminina vem sendo vendida nos últimos anos ou de forma exagerada e ilusória ou de forma leviana, acabando por se transformar num reles mimimi de gente que gosta de reclamar de tudo e ponto (eu sei... vai ter gente me chamando de machista por causa desse trecho aqui). 

Faltam, em muitos casos, verossimilhança nos discursos. Mais parece remorso, vontade de se vingar (e isso precisa ser combatido também). E em nada dialoga essa cultura com os esforços promovidos por mulheres como Jane Austin, Virginia Woolf, Clarice Lispector, Florbela Espanca, George Elliot (que, reza a lenda, também era mulher, mas assinava como homem pois era a única forma de publicar algo naquela época) e tantos outros nomes da literatura - e também da arte em geral. 

Me peguei pensando nisso ao final da sessão de Adoráveis mulheres, segundo longa dirigido pela atriz e diretora Greta Gerwig, e me tornei ainda mais fã do filme. 

O longa, que está na lista dos cotados ao Oscar desse ano, conta a história das irmãs March e sua luta para permanecerem relevantes em meio a uma sociedade extremamente burguesa e patriarcal. Amy (Florence Pugh) é o retrato vivo de como a sociedade da época enxergava a mulher e o papel que ela devia ter: uma pessoa voltada para o casamento e nada mais. Meg (Emma Watson) é aquela que fica em cima do muro. Almeja construir um lar para si, mas não se vê como a pessoa responsável por tirar a família da situação de pobreza na qual se encontra. Beth (Eliza Scanlen), é a mais tímida e debilitada das irmãs, e prefere se esconder atrás do piano, seu único e verdadeiro talento. E, finalmente, Jo (Saorsie Ronan), que poderia facilmente ser rotulada por muitos como a ovelha negra da família, mas na verdade é à mulher à frente do seu tempo, a escritora, a personificação viva de tudo o que Jane Austen e a própria Louisa May Alcott (cujo romance originou esse filme) viam de errado na maneira como as mulheres eram vistas nesse período. 

Contudo, mais do que a tarefa árdua de narrar a luta e as escolhas dessas quatro mulheres - e adorei particularmente a ideia da diretora trabalhar a narrativa através de flashbacks, alternando o ontem e o hoje de forma precisa -, ficou claro (pelo menos para mim) estar diante de um grupo de vanguardistas, que tiveram de lutar contra o sistema, contra o regime machista que não consegue sequer entender uma mulher que não deseja se casar, contra suas próprias opiniões, para chegar a um caminho que lhes soasse lúcido. 

Não sei se já disse isso em minhas críticas anteriores sobre cinema, mas sempre tenho problemas com filmes de época, históricos, de realeza britânica, etc, pois sempre tenho a impressão de que "quem já viu um, já viu todos". Mas Adoráveis mulheres não cabe nessa categoria. Embora esta seja sua oitava adaptação para os cinemas, a história encontrou no trabalho sublime de Gerwig uma forma de entendermos essa mulher de ontem e também questionar se a mulher de hoje de fato entendeu a luta pela qual essas mulheres visionárias passaram. Pois, cá entre nós, às vezes me parece que elas (as de hoje) desaprenderam tudo. O que é uma pena. 

Isso sem contar personagens menores, mas indispensáveis para compor a trama e a luta pela qual elas passam, como a tia resmungona (interpretada de forma brilhante pela diva Meryl Streep), o jovem e rebelde Laurie (Timothée Chalamet), que ama alucinadamente Jo, mas não consegue entender completamente a força daquela mulher que não pretende se render a um papel secundário ou a uma vida conforme regras machistas e desiguais e também o seu pai, Mr. Lawrence (Chris Cooper) que entende como poucos naquele meio a dor de perder uma filha e não encontrar nada que de fato a substitua. Todos, sem exceção, embora coadjuvantes, são absolutamente necessários para entendermos as agruras e restrições pelas quais essas mulheres têm de passar.

Até mesmo a mãe (Laura Dern), que aprendeu a renunciar e jogar o jogo com o passar dos anos, funciona como  uma espécie de voz da consciência, sempre incentivando as filhas a fazerem suas próprias escolhas. E acreditem: por mais que pareça, isso não é nada fácil de fazer. 

Ao final da sessão, as luzes se acendem e vejo mais mulheres do que homens na sala de projeção. E por um momento fico triste, pois acredito que nós também precisamos conhecer essa história. Precisamos parar com essa mania de nos vermos como protagonistas o tempo todo. Há uma parte grande da sociedade que não deseja mais que o mundo continue desse jeito. Mais do que isso: vejo que algumas mulheres choram, orgulhosas com o desfecho da trama. 

E nesse momento também vou às lágrimas, pois lembro do sacrifício que minha mãe e minhas tias fizeram para que eu e meus sobrinhos chegássemos a algum lugar. Faço parte de uma família onde homens sempre foram minoria e me orgulho disso. Sem essas mulheres fortes, poderosas, eu certamente não estaria aqui hoje escrevendo este texto. E é disso que se trata o longa-metragem de Greta Gerwig: sacrifício. 

Então você, mulher moderna, engajada, empoderada, não torne gratuita uma luta que é muito mais do que apenas espaço no mercado de trabalho, roupas de marca, chefias em postos de trabalho. Não. Tem a ver com respeito. Algo em falta na atual humanidade. 

E como é bom saber que essas mulheres decidiram enfrentar essa batalha de cabeça erguida!

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