"Viver à dois é para poucos", diziam meus pais e pelo que pude testemunhar do casamento deles, estavam cobertos de razão. Eu mesmo, em mais de 40 anos de vida, nunca me imaginei como parte integrante deste universo. E ainda digo mais: vejo o casamento como um grande enigma sem solução. Uns vão dizer que vale pela experiência e/ou catarse, outros que foi a melhor coisa que poderia lhes ter acontecido, simplesmente porque não conseguem viver sozinhos. Para mim, é uma incógnita que não vale o risco.
No entanto, tenho um verdadeiro fascínio por peças de teatro, livros e filmes que abordam o tema. E quanto mais complicado ou fora da curva o casal, melhor. Tem quem chame isso nos EUA de guilty pleasure (vai entender o tio Sam!). Adoração mórbida à parte, ninguém esmiuçou o tema como o cineasta sueco Ingmar Bergman, gênio que fuçou as dores e angústias humanas como ninguém. Mas ninguém chegou perto de sua maestria (embora tenham tentado à exaustão).
Dentre os que tentaram o mais recente, o produtor Hagai Levi - escritor por trás da soberba série de televisão Em terapia, com o fascinante ator Gabriel Byrne como protagonista - arriscou a empreitada de realizar um remake da minissérie Cenas de um casamento, um clássico na filmografia de Bergman, para o canal HBO. O resultado, mais uma vez, divide opiniões. Mas quer saber? Até mesmo essa divisão é bem-vinda e acrescenta para o debate sobre a trama.
Aliás, vamos a ela: Mira (Jessica Chastain) e Jonathan (Oscar Isaac) são o casal que aparentava estabilidade, mas tudo rui quando Mira diz que se apaixonou por outra pessoa, no caso um homem mais novo. Detalhe imprescindível: um aborto que antecede essa notícia foi um catalisador fundamental para o começo do fim da relação (embora Mira diga ao marido que há anos vive sufocada, sem paixão).
Eles têm uma filha, Ava, ainda pequena, e esse será um grande ponto de conflito na separação. Com quem ficar, dividir a guarda... E o pior: eles nunca estão completamente distantes. Um precisa da presença do outro, transformando o casamento num cabo de guerra difícil de explicar. Até mesmo a palavra divórcio (e o fato de ambos não estarem convictos da necessidade dele) vira uma pedra de Calcutá em qualquer conversa ou discussão que tenham. E as discussões - que são muitas e parecem intermináveis - é uma grande questão a dividir o público espectador.
Em sites de cinema e críticas que li vi muitos "entendidos" dizendo que o bate-boca interminável entre Mira e Jonathan é o maior problema da série. Uma delas chegou a dizer: "se o divórcio é o preço que eles têm de pagar para que eu não tenha mais que ouvir nenhuma discussão, que seja!". Honestamente... Me pareceu o típico comentário de quem viveu isso na pele, de quem não gostava das D.Rs e fez de tudo para pular essa parte quando estava casado. O problema: nenhum casamento é uma festa que nunca termina.
Quando eu tinha por volta de meus 12, 13 anos ouvi um senhor de seus 70 anos me confessar sua opinião sobre o matrimônio. E ele disse: "o problema dos casais, principalmente os de hoje em dia, é que eles não entendem que o casamento não é a festa, o trocar de alianças, o buffet, o bolo, os docinhos, a benção do padre... Não, meu jovem! O casamento é o que vem depois. O que acontece depois que a festa acabou. E a sociedade contemporânea não consegue mais viver fora da festa".
E ao lembrar desse discurso, percebi que as discussões de Mira e Jonathan eram o que menos me aborrecia. O problema mesmo era a incapacidade dessa nova sociedade viver a dois. Estamos cada vez mais imediatistas, imaturos, interesseiros, colocando nossos interesses na frente de quem quer que seja. Logo, como dividir o espaço com outra pessoa, casar, ter filhos? Às vezes a mera realização disso já parece um absurdo.
O que faz de Mira e Jonathan um casal é exatamente essa dificuldade de permanecerem juntos, de serem exclusivos um ao outro. E não adianta os mais velhos reclamarem, chamarem de ingenuidade ou falta de paciência. Os tempos são outros: mais corridos, frenéticos, quase esquizofrênicos. Sou de opinião que a vida se transformou num convite à solidão, pois é melhor ficar sozinho do que magoar alguém. Contudo, o ser humano ainda precisa de sexo, de uma boa conversa, de companhia. Nasce daí um grande conflito.
No final das contas, o que percebo em Cenas de casamento (pelo menos, nessa nova versão) é que se trata de um grande estudo de caso sobre a imperfeição presente em qualquer ser humano. E da dificuldade de, ao menos, admitir isso. E essa mágoa, esse ressentimento, não é necessariamente algo ruim. Ela só precisa ser canalizada da maneira correta. As brigas, traições e separações, acreditem!, ensinam bem mais do que aparentam. Mas para isso é preciso uma sociedade que não enxergue tudo a ferro e fogo. Nem tudo é apenas certo ou errado. Que bom seria se fosse!
P.S: para você que viu e gostou de História de um casamento, de Noah Baumbach e Kramer vs. Kramer, de Robert Benton (vencedor de 5 Oscars em 1980), achei esse aqui um pouco mais profundo. Mas, cá entre nós, ele precisava ser. Do contrário, não seria o século XXI.
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