Há uma máxima da vida a qual não podemos superar, embora tentemos angustiadamente: o tempo.
Lutamos contra o tempo de teimosos que somos. Ele chega, apronta das suas, vira nossa vida de ponta a cabeça, nos faz discutir e questionar absolutamente tudo. Pior: nos faz perder tempo, às vezes com coisas simples, com aquilo que está diante de nossos olhos e não somos capazes de ver nem mesmo com lupa ou telescópio. E ainda assim continuamos, seguimos em frente, putos, pois a sensação que se tem em alguns momentos é a de que a vida não passa de um jogo - às vezes de cartas marcadas, às vezes covarde, injusto. E precisamos lidar com as trapaças do dia-a-dia.
O cinema, nesse sentido, sempre foi uma grande ferramenta para nos colocar à parte desse quesito, o tempo. E mais: ele é capaz de transformá-lo a seu bel prazer, desconstruí-lo, fazer dele gato e sapato, quando a ficção proposta assim o exige. Contudo, nos últimos anos, confesso que tenho andado um pouco decepcionado com certas narrativas que falam sobre o tempo. Tudo me parece um tanto pasteurizado, envelhecido. A sociedade persegue doentiamente a beleza, o status, a ganância, a identidade de gênero e a indústria cinematográfica acabou por comprar esses discursos de forma um tanto equivocada. Em outras palavras: quem poderia falar sobre o tempo parece acovardado ou diminuído diante dos assuntos que tomaram as páginas dos tabloides e a grande mídia.
Bem... Nem todo mundo. Clint Eastwood, o eterno caubói dos tempos de O cavaleiro solitário, Era uma vez no Oeste e o indefectível Os imperdoáveis (vencedor do Oscar), além de voz e corpo da grande persona que marcou a época das franquias, o policial Harry Calahan, continua por aí convivendo e narrando acerca de seus próprios traumas e fantasmas. E é exatamente isso o que ele faz com todo garbo e estilo em Cry macho, seu mais novo longa.
Na trama, Mike Milo (Clint Eastwood) é um antigo ídolo dos tempos de rodeio que viu seus dias de glória passarem mais rápido do que ele gostaria e agora vive de realizar pequenos serviços para o inescrupuloso empresário Howard Polk (Dwight Yoakam). Polk, por sua vez, sabe melhor do que ninguém que pode contar com a confiança e a discrição de Milo em todos os sentidos e por isso pede para que o velho caubói atravesse a fronteira do México e traga seu filho para morar com ele, pois acredita que a influência da mãe promíscua e alcoólatra está fazendo mal ao garoto. A partir daí, o que vemos na tela, mais do que uma mera busca ou resgate, é um grande conflito de gerações como há um bom tempo eu não via em hollywood. Pelo menos não narrado dessa forma.
Eastwood, embora com mais de 90 anos, ainda mostra bastante fôlego na direção e não desaponta como contador de histórias e criador de dramas existenciais. Mas para aqueles que vêm crucificando o diretor nos últimos anos por conta de suas escolhas pessoais e projetos, vai aqui um recado: esqueçam a figura notória e máscula que Clint construiu ao longo da carreira com Dirty Harry e os faroestes de Sergio Leone. O tempo, meus caros leitores, passou e o caubói envelheceu. Como, aliás, todo mundo um dia irá.
Convencer o garoto problemático e mestre em encrencas a voltar com ele é uma saga por si só, mas o velho caubói não está disposto a entregar a toalha tão fácil. A mãe do menino, que não quer vê-lo morando com o pai, embora não dê a mínima para o filho, pede a um dos seus capangas que impeça que a dupla chegue à fronteira. E não bastasse isso, ainda por cima terão que se esconder, pedir abrigo à dona de um estabelecimento comercial - que se encanta pelo velho Milo -, serão confundidos com transportadores de droga e sabe-se lá Deus o quê mais.
Dos longas que Eastwood dirigiu nos últimos anos certamente foi o que eu mais gostei, pois achei coeso e não me soou melodramático em demasia. Pelo contrário: é de uma verdade assustadora quando toca em questões como heroísmo, juventude e velhice. E acredito que muitos dos espectadores que prefeririam que o diretor se aposentasse a produzir algo do tipo tenham se incomodado - e muito! - com esse aspecto.
Nossa sociedade atual só pensa em festas, glórias e conquistas. Ninguém parece interessado naquilo que pareça remotamente real. Fugimos dos nossos próprios problemas sob a falsa crença de que eles simplesmente desaparecerão com o passar dos anos. Mas o tempo nunca funcionou dessa maneira. E aqui, em Cry Macho, o que vejo é um ensaio doloroso, mas extremamente necessário e verdadeiro, sobre o tempo, esse inimigo invisível e devastador que nos acompanha até o último dia de nossas vidas.
Você, festeiro, alienado, que já não queria ver o filme, ficou ainda mais decepcionado após a leitura desta crítica? Pois quem perdeu foi você mesmo. Um dia, quer você goste ou não, essa história também será a sua. Os questionamentos e dúvidas darão as caras e somente você poderá lidar com eles. Sem turminhas, galeras e amigos ao redor. E eu tenho é pena da decisão que você irá tomar quando esse dia chegar...
Sem comentários:
Enviar um comentário