domingo, 19 de julho de 2020

Tabloide Junkie


Quando devorava alucinadamente os romances do escritor norte-americano James Ellroy (autor de, entre outras façanhas literárias, os notáveis Los Angeles: cidade proibida e A Dália negra) havia, volta e meia, a presença da revista Hush-hush na trama. Tratava-se de uma publicação sensacionalista, que vivia de escândalos em hollywood e da vida das chamadas pseudocelebridades. E já naquela época - eu tinha pouco mais de 20 anos nesse período - alguns segmentos de hollywood reclamavam e muito da abordagem do autor sobre os artistas e famosos. 

O tempo passou, Ellroy envelheceu (e continuou um autor brilhante dentro do gênero policial) e hollywood aprendeu a conviver com suas distorções comportamentais. Mais do que isso: passou a inserir em suas histórias as celebridades fake, os excluídos, renegados e também os junkies - que, a meu ver, rendem em muitos momentos grandes personagens. Quem quiser tirar uma prova dos nove sobre isso, assista ao extraordinário Réquiem para um sonho, de Darren Aronofsky. 

E não é que nesta última sexta-feira encontro numa banqueta de dvds piratas, dessas que vocês vêem rotineiramente nas feiras livres, um exemplar surreal dessa vertente, provavelmente um dos filmes mais loucos que eu assisti nos últimos dez anos? Trata-se de The Acid House, o primeiro longa-metragem do diretor Paul McGuigan.

The Acid House traz aos espectadores uma grande crônica (melhor dizendo: um tabloide) sobre a vida miserável dos excluídos e viciados da América - e também, por que não dizer, do mundo. E não me refiro exclusivamente aos viciados em entorpecentes e psicotrópicos, não! Quem dera fosse fácil interpretar todos os tipos de vícios existentes na sociedade contemporânea... 

Seguindo uma toada que lembra em alguns momentos o clima de Trainspotting: sem limites, de Danny Boyle, McGuigan constrói sua narrativa em torno de três "protagonistas" (as aspas são intencionais, na medida em que eles não se encontram sozinhos nessa rotina desesperadora que eles chamam de vida!): são eles Boab (Stephen McCole), Johnny (Kevin McKidd) e Coco (Ewen Bremner, que por sinal trabalhou com Boyle em Trainspotting). 

Boab vê sua vida virar um caos após ser expulso do time de futebol no qual jogava e ser abandonado pelos pais e pela namorada. E quando se depara com a figura de Deus, dizendo que vai lhe transformar numa reles mosca, pois ele precisava aprender com seus próprios erros da pior maneira possível, ele entende que o inferno de fato ainda não começou. Já Kevin precisa lidar com um casamento frustrado com uma mulher de vida fácil, a última pessoa na face da terra indicada para iniciar um relacionamento desses. Pior: eles tiveram um filho. Enquanto isso, Coco, um viciado em ácido, se depara com um revés terrível em sua jornada quando um raio cai sobre sua cabeça ao mesmo tempo que atinge um bebê recém-nascido e seus cérebros mudam de lugar. Agora, vê seu intelecto preso a uma criança pequena enquanto seu corpo vaga pelas ruas, conduzido pelo cérebro da criança (esta é, certamente, a mais louca do trio de histórias). 

Para aqueles que não são afeitos a filmes em episódios, talvez o clima proposto pelo longa incomode em alguns momentos, pelo seu teor pessimista (embora o filme tenha um senso de humor bastante ácido). Até as músicas que acompanham a vida de cada protagonista dialogam no sentido de mostrarem que são pessoas que convivem com o niilismo e a falta de expectativas para um futuro melhor. Mas enfatizo: não se trata de uma trama autodestrutiva. Longe disso. Há, inclusive, quem consiga enxergar a película como uma grande comédia de humor negro. 

No final das contas, o que sobra para os espectadores mais interessados no gênero paranoia, é uma interessante reflexão sobre o mundo caótico no qual estamos vivendo atualmente. Mais do que outros filmes mais famosos sobre o tema vício, como por exemplo Drugstore Cowboy, de Gus Van Sant e New Jack City - a gangue brutal, de Mario Van Peebles, o que percebo aqui é o resultado final de anos e anos de carências humanas substituídas por "curas milagrosas" (no caso, o ácido, o casamento e a procura de muletas existenciais - família, namoro, amigos, etc - para suprir uma falta de interesse em tomar as rédeas da própria vida. 

Boab, Johnny e Coco, têm em sua gênese, um mesmo princípio ativo: o de empurrar suas vidas com a barriga, pois não tem coragem ou mesmo forças para buscar algo melhor. E o resultado disso é a eterna procura por paliativos e mecanismos de defesa que justifiquem suas inércias. 

Nada mais século XXI do que isso, não é mesmo? (e olha que o filme é do século passado!). 

P.S: após terminar este artigo, me lembro de que o cantor Michael Jackson no álbum History - past, present and future gravou uma canção com o mesmo título. Não há relação alguma entre ambos (embora Michael ao longo da sua carreira tivesse que conviver com muitos sanguessugas e "viciados" pelo poder). 

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