É difícil ser mediador num mundo onde a sociedade decidiu se apaixonar por conflitos, guerras, terrorismo e a eterna ânsia pelo poder. À primeira vista, a sensação que me fica, é a de que essas pessoas se limitam a aceitar a derrota, pois não há quem consiga detê-los (e quando digo eles, refiro-me aos donos do poder, que não se cansam de tramar suas artimanhas, que por sua vez só fazem mesmo é piorar o mundo cada vez mais).
Contudo, existem aqueles que aceitaram o desafio de confrontar a guerra de frente, por acreditar que ainda é possível manter o diálogo, mesmo em tempos de matança e ódio exacerbado. O embaixador da ONU Sérgio Vieira de Mello foi uma dessas pessoas.
Timor Leste, Indonésia, Cambodja, Iraque... Sérgio esteve na parte do mundo onde a guerra, mais do que um enfrentamento, é um estilo de vida. Vive-se por ela, acredita-se piamente - em alguns casos - que não se pode ser respeitado ou mesmo feliz sem estar envolvido com ela. E o resultado disso tudo é catastrófico.
O diretor Greg Barker realizou, em 2009, um documentário sobre Sérgio, mas acreditou que não era o suficiente para explicar a importância desse homem para as novas gerações. Consequência: decidiu transpor essa história para um projeto ficcional junto à Netflix. E ei-lo aqui.
Primeiramente é preciso um aparte: vi muitas críticas na internet associando a maneira como Sérgio (que é vivido no longa pelo ator Wagner Moura, que por sinal está ótimo, uma das melhores coisas do filme) é ficcionalizado ao agente secreto James Bond. E desde já adianto que não concordo. Para mim, me pareceu uma maneira de diminuir ou o projeto ou a figura de Wagner, que vem se mostrando contrário ao que hoje está sendo chamado no país de "o novo Brasil". Em outras palavras: as pessoas não conseguem mais dissociar o artista do indivíduo.
O filme pega emprestado um estrutura narrativa parecida com a do filme As torres gêmeas, de Oliver Stone. Abre a história com o atentado sofrido na Embaixada de Bagdá, onde Sérgio ficou soterrado por horas até seu falecimento, e depois vão intercalando essas cenas dos destroços com flashbacks de sua vida política, seus embates junto à adversários e o romance com Carolina Larriera (a lindíssima Ana de Armas). Honestamente, não sei se a escolha agradará a todos. Confesso que preferia uma cronologia mais tradicional, principalmente depois de ter visto o excelente documentário. Mas entendo a necessidade de sofisticar a história com um certo requinte.
Sensacionalismos e distorções à parte, vemos a luta de Sérgio contra o governo norte-americano que quer impor sua política ao Iraque logo após a queda do ditador Saddam Hussein. E o assunto, todos sabem, não poderia ser outro (embora o longa não mencione isso): o petróleo.
As músicas, embora poucas, são pontuais e muito bem-vindas (é sempre bom ouvir Cartola e Caetano Veloso em qualquer projeto que seja!). A maneira como o diretor intercala o material de arquivo, as notícias dos telejornais, com a trama, também é muito bem construída e ajuda a estabelecer o contexto e diminuir possíveis pontas soltas. E no geral, achei que ele não errou tanto assim. Desde que você, lógico, guarde as devidas proporções entre vida real e filme de cinema.
A grande mensagem por trás de Sérgio está bem explicada nas palavras do general de Timor Leste que, em determinado momento da trama, o chama de "sr. conserta tudo" (eu assisti o filme em versão dublada, então não sei se na versão original, com legendas, eles usam uma expressão parecida). Sérgio era exatamente isso. Ele acreditava em debates e não em armas, e fez de tudo pela independência do Timor Leste bem como pelo fim das imposições norte-americanas com o Iraque (detalhe: prestem atenção em suas conversas com Paul Brenner, representante da Casa Branca no país; elas são fundamentais para entendermos o clima que pairava por lá naquele período).
Ao final de quase duas horas de projeção, um sentimento amargo, de derrota. De que o mundo perdeu um grande homem que, infelizmente, sabia onde estava se metendo e pagou o preço. Não é à toa que a sociedade prefere se esconder atrás de frases como "o mundo não é simples" (proferida pelo presidente da Indonésia), pois elas justificam o eterno desejo de destruir, de conquistar, de desrespeitar o próximo. Viramos um mundo consumido pelo poder (político e também de fogo). E enquanto tratarmos tudo sob a ótica da guerra, continuarei descrente, acreditando que a tão sonhada paz não passa de um enorme delírio.
Logo, como consertar o que prefere permanecer quebrado? Me digam vocês, se souberem...
P.S: se tiverem tempo, após assistirem Sérgio procurem pelo longa-metragem Ao vivo em Bagdá, de Mick Jackson. Acho que ele dialoga de forma interessantíssima com esse filme aqui!
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