segunda-feira, 13 de abril de 2020

Agora pode chorare


É uma notícia ruim depois da outra nesse último mês!

Abro a página do youtube (sempre ele!) e escrevo no campo de busca Moraes Moreira. O primeiro resultado que vejo é uma coletânea, Moraes Moreira - 20 super sucessos. Começo a ouvi-las, viajando no tempo. E logo as lágrimas descem, e fico pensando: "e a MPB perdeu toda essa musicalidade, toda essa capacidade de se reinventar. Que triste!". 

Em meio a tantas mortes por conta da epidemia do novo Covid-19 sou surpreendido pela amarga notícia de que o cantor e compositor Moraes Moreira faleceu hoje, vítima de infarto do miocárdio, em sua residência na Gávea, Rio de Janeiro, aos 72 anos. 

Moraes vai deixar saudades em minha formação cultural. E muito por conta do grupo Novos Baianos, do qual foi um dos fundadores. Espere! Você não sabe quem foram os Novos Baianos? Então pare de ler este texto agora, pois ele não é para você. Os Novos Baianos é, para mim, uma das maiores revoluções da história da música popular brasileira. 

Se existe uma palavra que resuma Moraes e os Novos Baianos, essa palavra é sincretismo. Ele foi o homem das misturas sonoras. Provou que ritmos até então considerados antagônicos em nosso cancioneiro podiam conviver (mais: se complementar) de forma brilhante. E foi o que fez. Fundiu rodas de samba, rock e frevo. Associou a baianidade às guitarras elétricas da contracultura americana. Fez do baião e do choro irmãos musicais. 

Em outras palavras: pegue tudo o que essa geração iphone chama hoje em dia de mashup... Moraes Moreira foi um dos precursores disso tudo. 

Em 1968, plena era negra do militarismo, com AI-5 e o que mais você pudesse imaginar de opressivo e retrocesso, ao lado de Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão, Pepeu Gomes e Baby Consuelo, abriram as portas do chamado pós-tropicalismo. O show  "Desembarque dos bichos depois do dilúvio", em Salvador, foi o pontapé desse inconformismo, dessa revolução sonora. Dois anos depois, o grupo gravava É ferro na boneca, e o restante... É lendário!

Mas não pense que ele se resume a sua participação ao grupo (que trilhou sua estrada até 1975). Não, senhor! Não dá pra esquecer de "Santa Fé", trilha sonora da novela da Rede Globo Roque Santeiro, e os sucessos carnavalescos - que cantou no trio elétrico de Dodô e Osmar - "Pombo correio", "Vassourinha elétrica" e "Bloco do prazer". Um criador de hits, sem dúvida!

Recentemente, Moraes andou alfinetando sua colega Baby por conta de declarações "conservadoras" dadas por ela (que hoje em dia é pastora evangélica) a respeito de um espetáculo teatral que homenageia a banda que marcou os anos 1970. E é triste que ele tenha falecido justo agora, pois tenho certeza que muita gente rancorosa (e religiosa) irá dizer que ele pagou pelo que disse à Baby. Infelizmente o país anda cheio de demagogos e ressentidos. Mas não acredito que isso macule o legado que ele construiu. 

Se eu só pudesse salvar uma música de todo o seu cancioneiro, eu provavelmente morreria prematuramente. Digo isso porque não consigo ouvir Acabou chorare (álbum eleito pela revista Rolling Stone em 2007 o melhor álbum brasileiro de todos os tempos) sem pensá-lo dentro de um contexto. Cada faixa, isoladamente, não representa o mesmo para mim. 

Antes do começo da pandemia, há pouco mais de um mês, o músico, que tem mais de 40 discos gravados, vinha preparando um novo projeto de inéditas (queria que um grupo de cantoras interpretasse suas canções). Infelizmente ficou na vontade e os fãs só podem agora imaginar o que poderia ter saído disso. 

Certamente algo genial. Como ele. Valeu, mestre! Por tudo!

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