sexta-feira, 14 de junho de 2019

O corredor polonês


Eu sempre prestei atenção nas entrelinhas do que a programação televisiva queria me mostrar diariamente. Quando pequeno, assistia aos programas infantis do Bozo e do Fofão e ficava tentando entender o porquê de toda aquela alegria gratuita, de toda aquela gargalhada circense sem sentido (detalhe: eu nunca fui fã da figura do palhaço e só passei a lidar melhor com o personagem quando o escritor americano Stephen King o transformou em psicopata). Fui de seriados asiáticos tokosatsu - leia-se: Ultraman, Jaspion, Changeman, etc - até programas satíricos na linha TV Pirata ou Armação Ilimitada. E como disse acima: sempre procurando nas entrelinhas uma outra abordagem sobre o que estava sendo exibido. 

Por que perdi todo esse tempo com este parágrafo grande? Porque a tv anda depressiva nos últimos anos. E quando falo em depressão quero dizer violenta. A tv anda mostrando a violência humana em excesso. 

E o principal: a que (ou a quem) serve essa postura?

Não há mais um dia do ano em que você ligue a televisão da sua casa e não se depare com uma tragédia diferente, padronizada para entreter: o incêndio no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo; a queda das barragens em Minas Gerais; os garotos presos na caverna tailandesa; o incêndio do Museu Nacional; o fechamento da Niemeyer por causa das chuvas torrenciais; o incêndio da Catedral em Notre Dame, em Paris; A tragédia da Boate Kiss; terreiros de umbanda destruídos... A lista é imensa, então é melhor parar antes que nossos cérebros esfacelem. 

Contudo, o mais nojento é: por que nos interessamos tanto por essa indústria maléfica da autodestruição? Por que isso gera tanto ibope? Um filme como Vingadores: ultimato, repleto de matança disfarçada de heroísmo e efeitos especiais, é capaz de arrecadar mais de dois bilhões de dólares em bilheteria ao redor do mundo. E, no entanto, um longametragem bem intencionado, sobre uma figura histórica proeminente, terá dificuldade de conseguir orçamento, dependendo da situação sequer será rodado. E muitos espectadores do filme super-heroístico dirão: "fazer pra quê! perda de tempo!".

O que não versa sobre a violência no mundo contemporâneo é rotulado de "perda de tempo", de "desperdício de dinheiro". Nunca foi tão importante criar massas de manobra, fantoches utéis à causa global. E qual é a causa global? Lobotomizar cidadãos de bem, fazendo-os acreditar numa pauta que só interessa ao mercado financeiro, aos bem-nascidos, aos privilegiados do sistema. 

No final das contas, o que estamos fazendo é atravessar um corredor polonês interminável. Mas, diferentemente dos corredores que atravessávamos na época escolar, com direito a tapas na nuca e petelecos na orelha, esta nova versão globalizada envolve portadores de armas de destruição em massa, drogas injetáveis, discursos manipulativos e vírus letais de última geração. Portanto, cabe a nós, reles seres humanos, reconhecermos nossa derrota o quanto antes. Eu sei, eu sei... Um ou outro enfrentará o sistema torpe de tempos em tempos, até que a chegada da velhice ou a ordem natural dos fatos o coloque no seu devido lugar. Em outras palavras: a vida como ela é (e ainda tem gente que chamava o Nelson Rodrigues de pornográfico. Como é que pode!). 

Chego ao ponto deste artigo em que os leitores me chamam de derrotista, de imbecil. Dirão que estou fazendo propaganda paga para aqueles que vencem o jogo desde que o mundo é mundo. Só que essas mesmas pessoas não entendem o quanto há de derrotista em ser realista. E estou aqui falando do mundo real, não do "tiro, porrada e bomba", cantado pela Valesca Popozuda ou da fábula televisiva conhecida como Big Brother. 

Voltando às tragédias, vejo no monitor de tv na sala a notícia sobre a morte do ator de Chiquititas (aquele do comercial "eu quero brócolis") pelas mãos do pai de sua própria namorada. O repórter da emissora de tv fala em "pai obsessivo". E obsessão virou um tema pertinente neste Brasil dos últimos anos. Olhe ao seu redor, escute o papo das outras pessoas, e você entenderá rapidamente o que estou dizendo. 

Adoecemos. E adoecemos num nível nunca antes visto na história deste pais e também do mundo. Não conseguimos viver uma vida além de bens materiais, consumismo, status, poder. E quem não fala essa língua mesquinha e usurária é visto como um pária na sociedade, alguém a ser eliminado o quanto antes (só para constar: já se fala na internet até em redução populacional no mundo, a "nova ordem mundial". Mas o que é a internet, essa terra de ninguém, não é mesmo?). 

Logo, como disse quatro parágrafos antes: um corredor polonês interminável. 

Enquanto alguns rezam desesperadamente e outros procuram lucrar em meio à desgraça promovida pelos setores mais nobres da sociedade, eu continuo tentando decifrar aquelas entrelinhas. Continuo à procura de um caminho que me represente (ao contrário de certas figuras midiáticas opacas, que se escondem atrás de contas bancárias e roupas de grife). 

Procuro uma maneira de cortar caminho, de não cruzar com o corredor polonês, mas ele é terrível. Mais terrível do que o Big Brother (agora o do George Elliot, não o reality show da Rede Globo). E seus tentáculos tiram a minha possibilidade de ir e vir. 

Enfim... Está cada vez mais difícil seguir em frente. 

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