quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Baratas (uma crônica)


Essa semana me peguei fazendo uma retrospectiva desse caótico ano de 2018 e também pensando sobre o começo dos tempos. E cheguei à irônica conclusão de que nada é mais antigo - e digo isso levando em consideração até mesmo o Big Bang que, dizem os cientistas, deu o pontapé inicial ao mundo - do que as baratas. Sim. Foi isso mesmo que você leu. 

As baratas, dizem as más línguas (ou seriam as boas? enfim...), chegaram ao planeta terra bem antes dos dinossauros, e há quem jure de pés juntos que elas estarão por aqui para todo o sempre, podendo sobreviver até mesmo a um explosão nuclear. Danadas, não? 

Muitos não conseguem entender a fama delas. Na prática, não fazem nada de muito útil para o bem estar social. São conhecidas por deixarem algumas mulheres (eu disse algumas) amedrontadas, e são asquerosas e inconvenientes por natureza. Contudo, tornaram-se famosas na literatura, graças à Kafka (que transformou o Gregor Samsa de A metamorfose no vil e nojento inseto) e Clarice Lispector, e no cinema (não sei se alguém por aqui já assistiu ao longa Joe e as baratas, da MTV Films; caso não, vejam. É hilário!). E por conta disso, ganharam status em alguns grupos sociais de cult, dignas de serem estudadas. 

As baratas poderiam ser grandes comediantes de stand up, pois conhecem o mundo como poucos, e tem uma poder de observação único (matéria-prima indispensável para humoristas e artistas em geral). Deveriam ter direito à voto nos pleitos eleitorais, pois estão sempre presentes nos meandros sórdidos da política, testemunhando as mais terríveis práticas desse sistema mórbido. Entretanto, elas preferem essa vida corriqueira, comezinha, banal. E querem saber? Bem fazem elas, porque de problemas e insatisfações o mundo anda cheio. 

Há também o viés adjetivo e substantivo da palavra. A conotação barata no sentido de "preço baixo" já deixa claro o reles valor que essas criaturas têm para a espécie humana. E há inúmeros seres parasitários e inescrupulosos que merecem o estigma de serem comparados a elas. Só aqui no bairro onde eu moro é possível ver baratas clássicas, na melhor expressão do termo. Uma pena é que não há nos arredores a mesma quantidade de empresas dedetizadoras. Pois barata em excesso faz mal. 

E por falar em excesso, baratas são coletivas em demasia. Lembro-me da primeira vez em que vi uma turma gigantesca delas saindo de um bueiro. E digo mais: elas pareciam estar confabulando algo maligno. Digo isso porque olhavam para mim de um jeito estranho, dissimulando. Acreditem! Era novo naquela época, mas temi pela minha vida. 

Com a chegada do século XXI elas se sofisticaram, aprenderam a resistir ao mais intensos inseticidas, criaram bandos e galeras distintos, decidiram não andar mais sozinhas. O mundo, meus amigos, de fato anda muito violento. Até mesmo para elas. Então, por que não evitar chinelos, sandálias, sapatos, jornais e raquetes elétricas? (sim, não são só as moscas e mosquitos que sofrem na mão desse instrumento inovador).

O que leva um criatura outrora tão repulsiva a ganhar contornos de estudo de caso, chegando a ser defendida até mesmo por setores da sociedade protetora dos animais? Confesso minha falta de argumentos e respondo na lata: não sei. Mas gostaria de saber. Afinal de contas, elas sobreviveriam a quase tudo (digo quase, pois ninguém sobrevive ao fim do mundo. Fora isso...) e não me custaria nada aprender a língua das malditas para conhecer seus truques e mecanismos de defesa. Podem me chamar de maluco, mas vivemos tempos de guerra nas ruas. E uma ajudazinha nunca é demais, não é mesmo?

Concluo esta crônica ciente de que deveríamos saber mais sobre as outras espécies que coabitam conosco no planeta, sejam elas vistas com maus olhos ou não. Baratas são sobreviventes de séculos de batalhas, que viram de perto a humanidade se autodestruindo e ainda assim mantiveram a cabeça fria e aprenderam que "viver um dia de cada vez" não é mero clichê ou frase óbvia de diálogo de novela ou roteiro de cinema. 

Não, meus caros, leitores! Quer gostemos ou não de ouvir, elas estão por aí há mais tempo do que nós e conhecem as regras do jogo bem melhor do que nós. Portanto, vê-las como adversárias ou inimigas é, no mínimo, um grande equívoco. 

(Nota: desde já deixo aqui meu agradecimento à escritora Cláudia Tajes, cujo livro Só as mulheres e as baratas sobreviverão, inspirou este texto).

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