sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

O teórico do cinema


A Nova Hollywood foi muito mais do que uma vanguarda cinematográfica dentro dos EUA. Foi uma maneira de reimaginar o cinema norte-americano, dentro de outras bases, digamos, menos heroicas. A partir daquele grupo de desajustados - como eram chamados pelos ícones da indústria - hollywood passou a entender a necessidade de outros personagens mais amorais, fora do eixo, "bolas fora da curva", como nos referimos ocasionalmente a criações que fogem do padrão ou do costumeiro. E depois deles a sétima arte nunca mais foi a mesma na terra do Tio Sam. 

Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Steven Spielberg acabaram meio que virando uma tríade dessa geração, mas o grupo não se resumiu a eles. Longe disso! É possível encontrar grandes histórias e sonhos na obra cinematográfica de gigantes como Brian de Palma - um de meus favoritos dessa época -, Monte Hellman, Michael Cimino e Paul Schrader (responsável pelos roteiros dos extraordinários Taxi Driver e Touro indomável), entre outros.

Contudo, há um nome que muitos cinéfilos deixam escapar com frequência dentro dessa galeria genial de artistas e que eu considero um crime, pois mais do que um mero diretor de cinema, ele foi também um grande teórico do audiovisual. Publicou muita coisa boa sobre grandes nomes da história da sétima arte mundial. Falo do diretor, ator, produtor e escritor Peter Bogdanovich, que faleceu ontem aos 82 anos de idade.

Filho de imigrantes europeus fugidos do nazismo para Nova York, Bogdanovich era daquelas figuras que à primeira vista parecia um esnobe. Fosse pela maneira como se vestia, com seus cachecóis e pose de elitista, fosse pelo seu discurso empolado. Confesso: quando o vi pela primeira vez, dando uma entrevista, não tive uma boa impressão, não! Mas tudo passou imediatamente quando assisti Marcas do destino, com a cantora Cher. Vi ali que estava diante de um artista coeso, que não tinha vergonha de se expor e abordar temas polêmicos. 

Impossível imaginar dentro de sua cinematografia filmes que repercutiram mais do que A última sessão de cinema (até hoje o seu clássico eterno), pelo qual recebeu duas indicações ao Oscar em 1972, para direção e roteiro e Lua de papel. Porém, se tiverem tempo sobrando, deem uma fuçada na obra dele como um todo. Ele era, em suma, um diretor que fugia do convencional sempre que podia. 

Já na sua faceta autor e pesquisador, Peter esmiuçou a carreira e a vida de artistas do quilate de Robert Aldrich (mestre por trás do épico Os doze condenados), Orson Welles (criador do seminal Cidadão Kane), John Ford, Fritz Lang e tantos outros. Eu tive a oportunidade de ler dois deles: Nacos de tempo: crônicas de cinema (1986), numa versão em espanhol e Afinal, quem faz os filmes (2000), obra raríssima e supervalorizada, vide o preço que andam cobrando por um exemplar dele no Estante Virtual. Digo mais: acho a carreira autoral de Bogdanovich ainda mais sólida do que a cinematográfica. 

Após inúmeros fracassos durante os anos 1990 e quando muitos consideravam sua carreira encerrada, sem nada mais a dizer ao público, o diretor acabou se redescobrindo a partir dos anos 2000 na pele do analista Elliot Kupferberg, da série de televisão Família Soprano. A geração contemporânea talvez lembre mais dele atuando aqui do que em suas produções mais famosas. E eu não vejo problema algum nisso, afinal de contas, são gerações distintas, com gostos e opiniões diferentes. 

Entre seus últimos projetos constados no site IMDb, dois documentários - um sobre a banda de rock Tom Petty and the Heartbreakers e outro sobre o gênio da comédia Buster Keaton -, a comédia um tanto insossa e descartável Um amor a cada esquina, com Owen Wilson (que traz o diretor Quentin Tarantino, admirador de Bogdanovich, numa ponta no final do longa) e o misterioso One lucky moon, que figurava em pré-produção, interrompida pela pandemia e cuja única informação que consegui encontrar no Google foi a de que seria ambientada num parque temático do velho oeste.

Parece pouco para a geração que escolheu amar a Marvel, a DC e os streamings, eu sei... Mas é bem como disse o próprio cineasta em uma de suas últimas entrevistas: "o cinema anda em crise, mas as lendas ainda o alimentam". 

Acaba que, de concreto mesmo, apenas a certeza de que hollywood e o cinema mundial perderam mais um gigante das telas e nem sequer se davam conta disso. O que é não só uma pena, como terrível. Por isso eu vivo martelando em meus textos sobre cinema que a atual geração precisa deixar de ser preguiçosa e procurar saber mais sobre o ontem, sobre o que o cinema foi e continua sendo. Sim, meus amigos. Porque não existe esse papo de filme velho. Velho é quem fica dando prazo de validade ao cinema. 

Peter, fica com Deus e toda paz do mundo a você, onde quer que você esteja!       

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