Li numa matéria no jornal El País feita por um antropólogo cultural que "vivemos o triunfo da mentira neste começo de século XXI" e me peguei pensando no quanto esta declaração tinha de poderosa para entendermos o país em que vivemos nos últimos anos. E a conclusão à que chego é: por mais esperançoso que seja, a tendência é piorar. E muito.
Quando mais novo lembro que a mentira no Brasil já era encarada como um artigo de luxo, um mecanismo de defesa para não termos que lidar com ela, a desprezível verdade. Achávamos a mentira um porto seguro para nossas malévolas intenções e eu, ainda menino, me perguntava quanto tempo aquela mentalidade duraria. Pois é...
Recentemente passamos por um novo processo eleitoral do qual não consegui discernir o que era verdade do que era mentira. Vivemos as eleições das fake news e terminei todo o processo chegando à conclusão de que elas (as fake news) servem aos interesses dos dissimulados, dos covardes e gananciosos que nunca saem do poder, ficam ali alimentando-se da ignorância do povo que se orgulha de ser eleitor, sem no entanto saber de fato votar de forma lúcida (por uma razão muito fácil de entender: fomos adestrados, não ensinados a pensar).
Contudo, as famigeradas eleições escondem um vilão muito maior: o do racismo, da homofobia, da misoginia, do preconceito em suma, disfarçado de indiferença, de "não é comigo", "não tenho nada a ver com isso", "não é problema meu; eu tenho mais o que fazer".
A mentira, meus caros leitores, está presente em todos os lugares que se possa imaginar, e dá passos largos em suas maquiavélicas intenções para o futuro do país (e do mundo). Nos States, o "presidente" (não consigo acreditar em milionários tomando o poder!) labuta diariamente para desmantelar todos os projetos e conquistas do antigo governo que o antecedeu. Aqui, vocês sabem... Vocês sabem quem ganhou, mas não quero falar dele. Até porque seu governo não começou. Ainda não. Mas há que se ficar de olho nas mentiras que virão por aí. Pois entra governo, sai governo, é somente as mentiras permanecem. Mais sofisticadas, é bem verdade, mas nem por isso menos perturbadoras e destrutivas.
Pinóquio, personagem de Carlo Collodi que Walt Disney imortalizou, o menino cujo nariz crescia toda vez que mentia, viraria santo perto do que nossos dirigentes, figuras públicas, celebridades, fazem abertamente na tv e em seus discursos. Digo mais: seria inocentado pelo tribunal do Santo Ofício como injustiçado. Muitos me chamarão de exagerado - expressão que já ouço relacionada a mim desde a adolescência -, mas quem consegue ler as entrelinhas sabe do que estou falando.
Mentir não é mais pecado do lado de baixo do Equador como em outras épocas. A mentira se presta às transações mais sórdidas e, por que não dizer também?, geniais dessa versão globalizadora da humanidade. Se seres humanos pudessem ser medidos por sua capacidade mentiresca, provavelmente estaríamos fadados à extinção. E nem mesmo as outrora angelicais crianças sobreviveriam ao julgamento final.
Eu sei... O artigo de hoje pegou pesado. Eu sei. Mas precisava ser dito antes que se perdesse em meio às inúmeras ideias e reflexões que têm povoado a minha mente nos últimos anos. A mentira, meus amigos, é quase um caso de vida ou morte no país e precisa ser investigado o quanto antes, sob pena de nos tornarmos serial killers da verdade.
A continuarmos por esse caminho tenebroso onde o errado é vendido como certo, o duvidoso é tratado como sinônimo de cristandade, de virtude, de "exemplo de honestidade", onde até mesmo conceitos mais simples como beleza, música, literatura, tornaram-se simulacros da falsidade, confesso: tenho receio de que não terminaremos este século.
O texto de hoje é amargo porque precisa ser. Somos um povo que precisa de um choque de realidade vivendo num mundo que está ruindo dia a dia (dêem uma boa olhada no que está acontecendo na Europa, nos protestos que vêm rolando nos últimos anos nos EUA, nas tentativas infames de tentarem diminuir as consequências do aquecimento global, etc etc e haja etc). E não nos damos conta. Correção: não damos a mínima, pois não nos afeta individualmente. E vamos para as emissoras de tv para falar em coletividade, sustentabilidade, pacificação, numa retórica que só serve para mostrar o quanto nos tornamos confusos e irreais.
Antes a esperança não venceu o medo (embora tenha tentado). Agora é a mentira que dá as cartas em meio a uma sociedade violenta, doente, umbiguista e cultuadora de homens falhos que não passam de fraudes ambulantes. Devemos jogar a toalha? Ainda não. Esperemos o dia de amanhã. Porque isso nós sempre soubemos fazer bem: esperar o dia de amanhã.
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